Episódio 15 - Wagner Belmonte entrevista Ronaldo Luiz Mendes Araújo
- Editor Negócio da China
- 24 de jul.
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Atualizado: 29 de jul.
Commodities, China e o Erro de Estratégia do Brasil
24 de julho de 2025
Neste episódio, o Negócio da China mergulha no papel da China como principal destino das commodities brasileiras — soja, carne, milho, celulose e algodão — e nos riscos da dependência comercial excessiva. O jornalista Ronaldo Luiz Mendes Araújo, especialista em agronegócio, analisa:
A relação Brasil-China como uma grande oportunidade, mas também um sinal de alerta estratégico;
A falta de planejamento estatal no posicionamento do Brasil no comércio global;
O impacto das sanções comerciais dos EUA, tarifas e o cenário geopolítico no agronegócio;
O desafio de agregar valor às exportações, como vender mais farelo de soja e não apenas a soja in natura;
A disputa com a Europa e os entraves no Acordo Mercosul-União Europeia, motivados pela competitividade da agricultura do Cone Sul.
O episódio conclui com uma reflexão importante: vender para a China é vantajoso, mas apostar tudo nela é um erro estratégico. O futuro do campo depende de estratégia — e principalmente de autonomia.
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Negócio da China vai falar hoje sobre agricultura, agronegócio. A China é o maior comprador de commodities brasileiras. É o principal destino delas, soja, carne, milho, algodão, celulose. Tudo que a gente produz em grande escala vai ter como destino principal o mercado chinês. Para a gente conversar sobre esse assunto, para a gente avaliar se existe uma dependência nessa relação ou se é um mercado a ser explorado ou se é uma oportunidade etc e tal. A gente tem o Ronaldo Luiz Mendes Araújo, ele é jornalista, tem pós-graduações em comunicação organizacional, sustentabilidade e economia. Atua há 25 anos no mercado de agronegócio. Ronaldo, quando a gente fala de China e a China como destino das commodities brasileiras, a gente está falando em oportunidade ou em risco?
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Olá, Wagner. Primeira satisfação participar aqui do teu programa na Altibi. A Altibi foi pioneira em todo o universo audiovisual na internet. As duas coisas, Wagner. China é oportunidade não só para o agro-brasileiro, mas para o Brasil em geral, sobretudo em termos de segurança alimentar e segurança energética, com base em energia renovável. E, ao mesmo tempo, é um risco, mas acho que a palavra risco é um pouco exagerada. A questão é que o grande desafio, até pelo que temos observado recentemente, por toda essa questão geopolítica que envolve o comércio internacional, É sempre importante você, eu digo qualquer país, poder diversificar a sua pauta de exportações para mais países. Então o risco eu colocaria aí nesse sentido. O Brasil exporta muito para a China. Tem um superávit nesse aspecto muito significativo. Então é importante também jogar os seus tentáculos para outros países, outros continentes, enfim, tudo mais. Mas não diria que é um risco, entendeu? É muito mais oportunidade.
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Tá. A oportunidade, não vamos mais usar a palavra risco, ela ganha uma nuance de dependência do mercado chinês pelo tamanho e pela pujança da economia chinesa?
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Sim, de certo modo sim, tem essa questão aí relacionada porque o Brasil é um grande produtor agrícola, é um grande produtor de energia renovável e a China precisa desses produtos. O grande desafio da China, por exemplo, em termos de agricultura, é porque os recursos hídricos na China não são tão abundantes. Então eles têm um grande desafio justamente Vamos pegar assim, o nosso principal produto agrícola exportado para a China é a soja. Então, por que a China não produz tanta soja e produz bastante milho? Porque tem a questão hídrica, toda a água acaba sendo direcionada para a produção de cereal, produção do milho e a soja, a despeito de ser originária da China, Ela se desenvolveu de uma maneira muito amigável aqui no Brasil e aí está essa complementariedade. O Brasil exporta bastante soja para a China, que é utilizado como insumo para a alimentação dos plantéis de suínos, que é a principal proteína animal consumida no mercado chinês. Então fica aí uma troca complementar, muito positiva nesse aspecto.
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E essa relação, essa relação mais próxima que ganha nuances de oportunidade, mas que tem lá embutidos os seus aspectos de uma dependência de um mercado prioritário para negócios do agronegócio brasileiro, essa relação foi planejada ou ela aconteceu simplesmente pelo curso da economia global?
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Aconteceu. Ela aconteceu. Acho que também aí é um desafio nosso como país. Nesse aspecto eu acho que falta o Brasil. Super presunção minha mas enfim por cobrir o setor aí há um bom tempo e tudo eu acho que falta um planejamento do Brasil como Estado. O que queremos ser. Eu acho que falta isso. Então, nesse aspecto agrícola, isso aconteceu. Pelas vantagens comparativas do Brasil, solo, tecnologia, clima, água, isso daí foi criando todo um processo positivo para a agricultura se desenvolver aqui de uma maneira muito positiva. E aí mercados que têm a busca por produtos agrícolas, alimentos, energia, fibras e tudo mais, observaram o Brasil como um fornecedor confiável e importante, mas isso de fato não foi planejado. Isso aí, de certo modo, é um defeito histórico nosso. não faz esse planejamento. Falta um planejamento de fato de Estado, de país, para nos posicionar até nesse universo todo geopolítico hoje. O que queremos ser para o mundo? Acho que falta isso. E o agro pode ser de fato um pilar importante para a gente se posicionar nesse xadrez global.
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Quando a gente usa a palavra, Ronaldo, você como jornalista, como um profissional da área de negócios, mas sobretudo como um especialista na área do agro, quando a gente usa a palavra planejamento, todo planejamento embute uma questão de estratégia. Nós estamos falhando no planejamento e na estratégia em ambos.
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Eu acho que se não tiver planejamento não tem nem estratégia. Então acho que começa pelo planejamento, estamos falhando nisso. Falta essa questão, falta um entendimento até interno. O que o Brasil quer ser? Como é que nós queremos nos posicionar globalmente? Falta isso. Falta isso. A gente quer competir no quê? A gente quer competir com produtos eletrônicos, produtos industriais, indústria automobilística, indústria aérea, ou queremos competir no universo da segurança alimentar e energética? Falta isso acho que falta esse entendimento primeiro interno nacional. Vamos investir assim vamos investir em determinado setor em determinada atividade e a partir daí desse entendimento desse consenso doméstico vamos dizer assim. E aí qual vai ser a nossa estratégia para nos posicionarmos de uma maneira vencedora no comércio global. Eu acho que falta as duas coisas mas acho que sem planejamento não tem nem estratégia.
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Sim. Mas aí se você traz pra gente, Ronaldo, que a China é o principal destino das commodities brasileiras e que existe um cenário aí já de uma dependência estratégica e que existe também uma questão de um erro de planejamento e na primeira resposta que você deu pra gente, você falou, a gente precisa ficar de olho em outros mercados, né? Então, por exemplo, a gente viu muitas matérias na imprensa nacional, sobretudo na televisão, do efeito do café do Vietnã no mercado americano com as tarifas de importação. Esse cenário do Donald Trump, por exemplo, impondo tarifas, do presidente norte-americano impondo tarifas, pedindo que numa questão política contextualizada, mas que ao mesmo tempo suscita uma ideia de uma interferência na soberania nacional, no judiciário nacional e etc. O Brasil se vê diante desse cenário, com essas questões com os Estados Unidos hoje? Em que contexto, em relação à China, vai aumentar essa dependência?
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Olha, talvez sim, talvez tenha aí um desafio nesse sentido, porque se os nossos produtos, por exemplo, para o mercado americano, vamos pegar alguns aí, carne bovina, em um primeiro plano, A China já é também o principal destino para a nossa carne bovina. Pode até se tornar mais por conta de que a nossa proteína animal, se forem mantidas essas tarifas aí do tarifaço, ela acaba até sendo inviabilizada para entrar no comércio internacional nos Estados Unidos. O ponto também que a gente precisa fazer e sublinhar, Wagner, é que as questões geopolíticas, elas cada vez mais, abre aspas, contaminam as relações comerciais entre os países hoje. Não há como fugir disso. Isso está acontecendo. O que eu quero dizer nesse sentido? Muitas vezes um produto que pelos fundamentos de mercado de oferta e demanda tem um preço melhor, uma boa qualidade, ele acaba ficando descanteio justamente por uma escolha geopolítica. Ah, não, eu vou negociar com aquele país porque ele é mais alinhado, abre aspas, ideologicamente comigo do que aquele outro, mesmo que aquele outro forneça um produto de melhor qualidade e de melhor preço. Então os fundamentos de mercado, diante dessa lógica geopolítica hoje, eles estão um pouco abarruados, deteriorados. tem um desafio nisso. Se o comércio agrícola, e aí falando sobre o comércio agrícola internacional, ele já era complicado por conta de barreiras protecionistas e tudo mais, agora ficou mais desafiador ainda. O ponto positivo é que o Brasil é um fornecedor confiável de produtos agrícolas, de alimentos, de fibras, de energia renovável. Agora o jogo internacional tem várias coisas envolvidas, o xadrez é complicado.
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É um xadrez mesmo e acho que aí tem um contexto que você trouxe na resposta, que é uma perspectiva de que o Brasil, em meio a esse cenário de conflito comercial ideológico, que a gente tem um problema de moldar os padrões de produção para atender prioritariamente o mercado chinês, considerando a China como segunda economia do mundo, se a gente olhar por paridade ela já é a primeira, E aí, será que existe risco de novas sanções? Será que existe o risco de suspensão de compras como forma de pressão política? Pra onde é que caminha? Pra onde é que esse mar deságua?
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Acho que as questões geopolíticas vieram pra ficar. Pelo menos nessa agenda aí de curto, médio prazo, acho que isso não dá pra fugir agora. Eu vejo assim, além da China, o mercado asiático é um mercado importante, o mercado do Oriente Médio também são mercados porque o eixo global, ele meio que nos últimos tempos se deslocou para essas regiões mais orientais. A Europa tem lá o seu papel importante, mas você também, de certo modo, tem um refluxo populacional lá. E a ascensão populacional do mundo ela ocorre na Ásia, não só na China, se tem outros grandes, por exemplo, Indonésia tem milhões de habitantes lá e é um mercado importante também. Outros países do sudoeste asiático, enfim, o Oriente Médio também. Então tem essa África, a despeito dos seus desafios financeiros, também é um mercado consumidor em ascensão. Então o eixo global também se modificou nesse aspecto aí. em termos de demanda por produtos, tanto que aí, se a gente avançar um pouco aqui também na conversa, tem todas as questões aí de alguns países, de outros alinhamentos geopolíticos, o Sul Global, os BRICS e tudo mais, tudo acaba se entremeando. Então, em termos de demanda de produtos, A Ásia é um mercado que tem que ser observado e cada vez vai ficar mais demandante por alimentos, por energia, por fibras e tudo mais. Não há como fugir desse mercado e no fundo é uma grande oportunidade.
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Por que você está falando de um mercado que tem 1 bilhão e 400 milhões de consumidores diante de um mercado de 350 milhões? O mercado que está impondo tarifas e taxas sobre o Brasil é um mercado muito importante, maior economia do mundo, Estados Unidos, porém A economia chinesa é uma economia do ponto de vista orgânico menor do que a dos Estados Unidos, com 19 trilhões de dólares, mas do ponto de vista populacional de demanda reprimida, uma economia que tem um potencial gigantesco para já nessa década ser a principal economia do mundo.
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Sem dúvida, se a gente pegar um outro dado, Se a gente for pegar o PIB do BRICS+, então Brasil, África do Sul, Rússia, China, Irã, Etiópia, Indonésia, e for comparar com o G7, o PIB do BRICS+, é maior já. Então isso já mostra o potencial desses outros mercados, além do velho mundo e dos Estados Unidos. É claro que os Estados Unidos é super importante, como você muito bem pontuou, é a maior economia do mundo e tudo, Mas existem outros mercados, até esse tipo de, vamos dizer assim, abre aspas, chantagem, sanções até, dos Estados Unidos contra o Brasil e muitos países, toda essa guerra comercial imposta pela nova administração dos Estados Unidos. Reflete isso. Certo modo, se você tá acuado, você parte com o ataque, certo? Então, é isso também, né? Os Estados Unidos observaram aí uma nova agenda e estão agindo pra defender seus interesses, né? Faz parte do jogo.
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Para além do erro de planejamento que se reverte no erro de estratégia e aí nós estamos falando de Brasil e de um Brasil voltado ao mercado prioritário que poderia dialogar e buscar mais mercados, mais oportunidades, inclusive na Ásia e no Oriente Médio, como você disse, Para além disso, quais são as suas ressalvas em relação à China? O que você entende que é um ponto que o Brasil deveria observar mais da conduta chinesa, dessas operações de baixíssimo custo? Como é que é isso na tua leitura dentro do agronegócio?
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Eu acho que um ponto que a gente pode ressaltar é a despeito da China comprar bastantes produtos brasileiros, soja, carne bovina, enfim. Um desafio é fazer com que também ela possa comprar mais produtos beneficiados com maior valor agregado. Existe o desafio aí também de se fazer com isso. O que eu quero dizer? Por exemplo, a China compra muita soja para transformar em farelo internamente e alimentar o seu plantel de suínos. Um ponto importante seria por que o Brasil então também não vender mais farelo que vale mais do que a soja em grão para a China? Aí há um jogo também chinês de tipo, ah não, eu quero comprar a soja para eu beneficiar aqui internamente. Não quero comprar o farelo diretamente de vocês. Então tem isso também, entendeu? Aí são negociações até também bilaterais. conversas individuais com cada país, mas é até recordando um pouco do que a gente falou antes aqui. O comércio agrícola internacional é desafiador. Ele é cercado por muitas barreiras, muitos subsídios, sobretudo na Europa. Vou jogar um outro assunto aqui na nossa conversa. Por exemplo, por que o acordo União Europeia-Mercosul não sai? por conta da agricultura. Os países da comunidade europeia, sobretudo alguns, vou dar o nome aos bois, a França, por exemplo, os agricultores de lá têm um enorme receio da competitividade da agricultura do Cone Sul, não só brasileira, mas a agricultura argentina, entendeu? O Paraguai tem crescido muito ultimamente. Por quê? Porque aqui a gente produz com qualidade a um preço muito menor. Então os agricultores franceses, sobretudo, vira e mexe a gente observa protestos por lá também, tem esse receio. O grande lobby, porque o Acordo Mercosul e União Europeia não sai, são por medo da agricultura sobretudo do Cone Sul.
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O Brasil exporta a soja e importa o farelo certo.
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Não o Brasil importa exporta muito mais a soja. Não o Brasil não importa farelo mas poderíamos exportar muito mais farelo se houvesse abertura de mercado para mais farelo. É isso que eu quero dizer porque o farelo vale mais do que a soja em grão.
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Eu ia pegar como exemplo, exemplo das últimas 24 horas que tá no G1, a gente tá gravando esse programa aqui no dia 16 de julho, né? Mas a questão do suco de laranja. E aí sim dos Estados Unidos. O Brasil exporta a laranja e importa o suco.
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O Brasil exporta muita laranja... Não, o Brasil exporta o suco, é o suco beneficiado. Ele é só envasado lá. O suco é feito aqui. As maiores empresas de produção de suco de laranja do mundo são brasileiras. O mercado norte-americano é absolutamente dependente do suco brasileiro. E esse é um ponto, porque se a gente for pegar dois exemplos clássicos de todo o tarifaço do governo Trump, café, e suco de laranja, se essas tarifas permanecerem, o consumidor americano não vai ter café nem suco de laranja. É isso.
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É isso. Exatamente. Por isso que eu te falei da matéria que o Jornal Nacional fez há alguns dias sobre o café do Vietnã nos Estados Unidos. Com as tarifas. Exatamente. E é nessa linha que você está colocando. Ronaldo, prazer falar com você. Muito obrigado pelo bate-papo. Obrigado pela atenção. A gente volta a falar sobre esse setor super importante que é a agricultura, que também tem um ônus aí a se discutir, mas a gente volta a falar sobre isso oportunamente aqui no Negócio da China. Obrigado pelo bate-papo.
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Eu que agradeço, meu caro, pela satisfação de fazer essa boa conversa aqui contigo. Um forte abraço aí a todos, negócio da China e da Outbit.
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Negócio da China fica por aqui. A gente conversou hoje sobre o agronegócio. O Ronaldo foi enfático. Para além da questão que envolve a China como principal destino das commodities brasileiras, O Brasil deveria, até mesmo em função de barreiras comerciais que estão sendo discutidas, que estão sendo adotadas pelo presidente norte-americano Donald Trump, o Brasil deveria buscar outros mercados na Ásia, no Oriente Médio e por aí vai. Vender para a China pode, claro, ser um grande negócio. apostar tudo na China é que me parece um erro de estratégia. O futuro do campo depende muito dessa questão de estratégia, mas depende principalmente de autonomia. O negócio da China fica por aqui, a gente volta numa outra oportunidade.




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