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Episódio 13 - Wagner Belmonte entrevista Cristina Helena Pinto de Mello

  • Editor Negócio da China
  • 17 de jul.
  • 19 min de leitura

Atualizado: 29 de jul.


Brasil na encruzilhada: entre a potência estratégica da China e o caos imprevisível dos EUA



17 de julho de 2025


Neste episódio especial, o “Negócio da China” recebe a economista Cristina Helena Pinto de Melo para uma conversa profunda sobre a disputa global de poder, os riscos para o Brasil e os caminhos possíveis na relação com China e Estados Unidos.


Destaques da conversa:


  • Cenário global instável: Cristina analisa a tensão entre EUA e China, destacando a possibilidade de conflito ou acomodação entre as potências e os impactos disso para o Brasil.

  • Mudança de percepção: O que antes era visto como risco vindo da China, hoje é protagonizado por um populismo intempestivo vindo dos EUA.

  • Responsabilidade brasileira: O Brasil é, segundo a economista, autor da própria desindustrialização e ausência de estratégia nacional. A dependência de commodities e falta de visão de longo prazo aumentam nossa vulnerabilidade.

  • Invasão chinesa no mercado brasileiro: A entrada agressiva de empresas chinesas em setores estratégicos, como o automotivo e o de eletrodomésticos, escancara a falta de planejamento e proteção da indústria nacional.

  • China como potência estratégica: Diferente do estigma de país de baixa qualidade e autoritário, a China tem um projeto de nação, investe pesado em tecnologia, sustentabilidade e alianças globais estruturadas — inclusive no Brasil e América Latina.

  • Brasil como coadjuvante: Apesar de ser a maior economia da América Latina, o país carece de um projeto claro de inserção internacional. A falta de infraestrutura, juros altos e políticas industriais frágeis comprometem o desenvolvimento.

  • Oportunidades perdidas: A pandemia poderia ter sido uma chance para o Brasil se reposicionar no cenário global, mas a ausência de consenso político e polarização interna emperram qualquer avanço estratégico.

  • Crítica ao servilismo: Cristina critica a submissão a modelos externos e a ingenuidade diante de ações explícitas de coerção econômica, como as promovidas por Trump, que misturam soberania nacional com interesses comerciais.



Frase-chave:


“A China não dá um passo sem propósito. O Brasil, por outro lado, tropeça por falta de projeto.”

Este episódio é essencial para quem quer entender os bastidores econômicos da disputa China-EUA e como o Brasil está — ou não — se posicionando nesse jogo geopolítico.







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Negócio da China numa edição especial falando em macroeconomia. A gente tem o prazer de receber a professora Cristina Helena Pinto de Melo. Ela é economista, é graduada pela PUC, Mestre de Doutora em Economia de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas e tem complementação da formação na Universidade Nankai, lá na China. Nankai, isso mesmo. A Cristina vai bater um papo conosco. sobre a disputa pelo futuro, riscos no Brasil, que caminhos nós estamos trilhando nessa relação Brasil-China, sobretudo num momento em que a gente tem aí sobretaxas, embargos comerciais e afins. Cristina, é um prazer te receber, sempre uma honra tê-la conosco. Para onde caminhamos nessa relação Brasil-China?



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É bem difícil de fazer algum exercício de previsão, né? A gente tem Muita novidade no caminho, temos um presidente americano bastante intempestivo, então é difícil de fazer um exercício de previsão, mas seguramente, eu acho que tem dois caminhos de possibilidade que eu consigo enxergar. Um de conflito explícito, que eu acho que vai ser evitado de qualquer forma, e um outro de convivência de multipotências. O que eu acho que a gente está vendo é uma acomodação dessas forças, desses grandes players internacionais.



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Conflito explícito, você se refere ao Trump?



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Eu me refiro ao Trump.



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Você acredita que é muito Spoon e pouco Chope?



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Ele tem uma força bélica e armamentista e um exército que não tem similar no mundo. Então, usar forças bélicas, usar forças militares é sempre uma possibilidade.



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Com a gente?



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Não, com a gente não, mas com China. Durante o começo dos anos 2000, por várias vezes, Estados Unidos se posicionou no entorno da China. Há bases militares americanas naquela região e isso é, de fato, uma ameaça subliminar, mas ela existe. E essa é a grande força americana, porque os Estados Unidos hoje tem, eu diria que como forças de negociação, armas, uma infraestrutura de tecnologia e uma tecnologia digital que também se constitui como uma força, mas China hoje é uma força industrial, comercial e negocial também muito significativa. Então, ou eles se acomodam nas suas potências, nas suas capacidades, ou eles se enfrentam. E nesse meio estamos nós, que temos parceiros comerciais importantes em ambos, tanto Estados Unidos quanto China.



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Então, nós vamos chegar lá, Cris, mas você falou na primeira resposta de um cenário intempestivo. A gente é de um tempo em que o risco de algo mais intempestivo vinha da China e não dos Estados Unidos, em que o Brasil passou décadas Rezando na Bíblia dos americanos, tendo os americanos como modelo para a economia brasileira, sejam democratas como o Clinton, sejam republicanos como o Reagan, mas a gente tinha esse momento. Essa é uma nova configuração, esse intempestivo vir desse populismo de direita?



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Engraçado, porque eu tenho pensado muito nisso, Wagner. A gente sempre entendeu Estados Unidos como um país previsível, de baixo risco, de contrato, seguidor de contrato, não rompia contrato. E China, de fato, com uma distância cultural grande, fazia a gente não confiar muito nas negociações com os chineses, até porque a gente não sabia como fazê-lo. Exatamente. Foi durante muitos anos muito fechado. Mas por que eu tenho pensado nisso? Vamos pensar na crise de 2008. Ela começa com o Banco Central Americano dizendo um não a um financiamento que foi pedido por um dos bancos, sem reconhecer o risco sistêmico que isso envolvia. O Trump age da mesma forma. Ele aumentou de forma multilateral as tarifas logo no início de seu mandato sem reconhecer o risco sistêmico que isso podia provocar e se mantém fazendo dessa forma. Ele chama a negociação através desse mecanismo. Eu me pergunto se os americanos sempre foram negociadores que usaram estratégias parecidas como essa. Nós não reconhecíamos isso ou se de fato houve uma mudança. Eu tenho dúvida.



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Qual é a sua leitura disso?



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A minha leitura é de que eles sempre foram muito ansiosos dos seus ganhos e sempre jogaram, de alguma forma, um jogo bastante pesado, que para nós era bastante previsível, mas que de fato nunca foi.



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Nós estamos falando o professor Luiz Gonzaga Beluso esteve conosco aqui em uma das edições e nós estamos falando que a China é a segunda maior economia do planeta. Se a gente olhar a questão da.



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Paridade de poder de compra ela já.



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Ultrapassou os Estados Unidos. E aí.



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Então e aí que Estados Unidos é um dos patrocinadores desse sucesso chinês de certa forma.



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Chegamos onde a gente imaginava. Esses entraves todos tornam os Estados Unidos um país que articula o próprio crescimento da China.



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Exatamente. E durante muitos anos entendeu a China como uma plataforma de produção americana. não enxergou que, para os chineses, eles estavam construindo uma força de internalização dessas forças produtivas para poder controlar seus próprios ciclos, para poder controlar sua estratégia de crescimento. E são dois modelos de crescimento econômico totalmente diferentes. Dois modelos políticos totalmente diferentes. Então a gente tem uma questão para além do econômico que é uma questão simbólica também, ideológica. Mas Estados Unidos foram os promotores do desenvolvimento chinês. A abertura chinesa contou com um grande parceiro que foi o parceiro americano.



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A gente vem tendo, e talvez a cadeia da indústria automotiva seja um pilar mais visível, mas não o único, mas a gente vem tendo aí uma série de marcas chinesas disputando o mercado no Brasil e com ganhos expressivos de market share. né? BID incomodando grandes players da indústria automotiva nacional, GWM se posicionando aí numa categoria de luxo já também fazendo estragos aí com carros que têm garantia estendida e por aí vai.



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Já ultrapassou a Tesla.



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Isso. E aí? Para o Brasil, quais são os riscos?



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Bom, o Brasil é autor da sua própria desgraça.



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Não é para principiantes, como dizia o Tom Jobim.



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Não é mesmo. Eu acho que nós mesmos, como Estados Unidos, produzimos a nossa desindustrialização. Não cuidamos da indústria que desenvolvemos, não temos uma estratégia nacional de crescimento econômico. e de integração de forças produtivas internacionais. A nossa inserção no cenário global, ela acontece mais casuisticamente do que propositivamente. Então, diferente da China que tem um projeto, tem um plano, segue esse projeto e segue esse plano, o Brasil, como Estados Unidos, se abriu muito mais para o acaso. entende que as forças de mercado são suficientes para trazer uma trajetória de crescimento econômico e também entende que tem uma força muito grande na agricultura, que de fato acontece tanto aqui quanto nos Estados Unidos. Então, eu acho que a gente tem muito mais, digamos assim, responsabilidade pelo nosso desfecho do que qualquer outro país. Porque nós não nos articulamos para isso, acreditamos também nessa inserção ingênua que o livre-mercado vende. A gente tem, portanto, uma exposição grande. Nós nos colocamos como um país produtor de commodities. Commodities, eu gosto do radical, da palavra, que vem de comum. Então, aquilo que é comum, você não tem diferenciação, você não fixa seu preço, você depende do preço no mercado mundial, você gera uma renda mais baixa. Nós permitimos, de alguma forma, uma integração produtiva com a China, que nos vulnerabiliza. A China hoje possui, há bastante tempo atrás, eu abri as empresas que estão no IBRX50, que são 50 empresas mais.



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Bem listadas na bolsa.



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Todas elas tinham um investidor chinês de peso. A gente tem em alguns estados da nossa federação extensões de terra e fazendas que são de propriedade chinesa. Alguns setores estratégicos em especial na cadeia automobilística e na cadeia de dinheiro branca, eletrodomésticos em geral. China já domina uma parte dessa produção dentro do nosso país. Então eu acho que o risco, que é um risco de desnacionalização, de desindustrialização, ele só é potencializado. Mas quem abriu as portas para esse risco fomos nós.



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Mas a gente vinha de um mantra que o produto chinês era um produto de segunda classe, que era um produto... Eu acho que tem até um ponto que é muito interessante se discutir, tá tudo bem. Alguns carros que a China trouxe para o Brasil, em especial de 2010 a 2015. Então você tinha lá o Lifan, por exemplo, que é um produto que nenhum brasileiro hoje teria interesse, tendo em vista a própria dinâmica do que foi posto para o negócio automotivo. O problema, Cris, é que eu acho que a inovação A educação e a estratégia de Estado, que é algo que se esperava da relação com os Estados Unidos, hoje está com a China. Eles sabem fazer essa tria direitinho.



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Mas veja, Wagner, nós estigmatizamos a China. A comunista é um estigma. A produção é de baixa qualidade, faz barato, faz mal feito. Em que momento nós criamos um observatório para olhar e monitorar o que estava acontecendo na China? Nós não fizemos. Então, eu fui frequentemente à Alemanha com os meus estudantes e fazia visitas a algumas universidades e tinha palestras com professores lá. Monitoramento 100%. Bom, a China está indo para cadeias produtivas que nós dominamos na Alemanha. O que vamos fazer? Quais são as nossas estratégias? Que acordos comerciais a gente pode fazer? Para que segmento que a gente vai? Em que setores que eles não nos alcançam? Porque a certa altura do campeonato, os alemães reconheceram que a China estava investindo pesado em tecnologia e indo para cadeias produtivas mais sofisticadas. A gente não viu isso acontecer. A gente acreditou.



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Por que a gente não viu?



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Porque a gente acredita no estigma, né? E o Brasil...



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É confortável para o Brasil olhar para a China como um player de produtos de baixa qualidade enquanto ela está jantando a economia global em larga escala?



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Exatamente. Uma economia de baixa qualidade, uma economia pouco democrática, é uma economia estatal e, portanto, ineficiente porque se faz uma associação muito rápida...



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Mas existem mais trechos dessa polarização, do efeito dessa polarização?



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Isso sem dúvida nenhuma. Tem bolhas de comunicação onde as pessoas não têm a menor ideia do que acontece na China e alimentam uma crença de que a China é um parceiro que já foi derrotado pelos Estados Unidos. Isso é falta de conhecimento. Isso é falta de inteligência. Se você olhar para a China, por exemplo, eu quando estive lá da última vez fui visitar um porto novo que eles construíram. Bom, o porto tem um polo produtivo dentro do porto. As indústrias chinesas estão dentro da área portuária. Então é como se elas com um pé chutasse o contêiner para dentro do navio. Os custos logísticos são baixos.



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Onde isso Chris?



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Foi em Tianjin. Se você for olhar para a China, a China não dá um passo sem propósito. Ela pensou, ela estudou, ela tem estratégia. Você vai falar esse porto é chinês, é o governo da China. É o governo da China, é o governo do Japão, é o governo da Coreia. Ela articula interesses. Vamos pensar numa coisa. Hoje, eu preciso até conferir esse dado, mas se não me engano, a China tem três vezes mais parceiros comerciais em termos de países do que os Estados Unidos. Ela buscou esses interesses, ela olhou para a África e viu necessidades da África e criou mercado para os seus produtos na África, mas ela também investiu na África. Ela faz isso na América Latina também. Não por acaso, ela acaba de entregar um porto muito interessante no Peru e semana passada a gente estava discutindo isso, porque ela começa a estudar uma possibilidade de uma rota, de uma trajetória via o porto brasileiro para o porto peruano, para otimizar o porto peruano, porque é um investimento importante para ela, para criar uma alternativa ao canal do Panamá, mas tudo isso é estrategicamente pensado e voltado para um projeto, um projeto de nação, um projeto de futuro, que começa com a ideia de tirar 800 milhões de pessoas de um nível de miséria, que era uma renda de menos de um dólar dia, isso no começo dos anos 90. Eles entram nos anos 2000 já com metade disso e hoje bastante reduzido. Então, um país que apesar de ter enfrentamentos internos políticos significativos, porque o regime político é um regime bastante desafiador, é um país que cumpriu uma agenda de tirar sua população da miséria e vem cumprindo com essa agenda. E ao mesmo tempo, com uma prática que eu acho que é muito interessante, Eu não sei se você sabe, mas boa parte do problema de conflito das etnias originais chinesas se resolveu por casamento. Não foi por guerra, não foi por conflito. Teve conflito, teve guerra, mas a solução vem por casamentos. É um pouco das castas diferentes de etnias diferentes.



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Etnismos. Castas caberia mais na Índia, né?



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É, não são castas, né? Mas tem uma prenominância do grupo Han, né? Mas mesmo assim, eles absorveram, subsumiram os conflitos através dos casamentos e dos filhos que esses casamentos geraram. O conflito com Macau, que todo mundo acha, meu Deus, ou com Hong Kong. Não, eles fizeram investimentos expressivos em Macau e Hong Kong. Então, uma outra forma de casamento são alianças econômicas. E não por acaso é a mesma estratégia que eles vêm usando, tanto na África quanto na América Latina. Eles fazem investimentos em setores que são significativos para esses países e criam alianças a partir desse movimento. Então, é uma estratégia bastante diferente da estratégia americana de domínio, que traz bases militares americanas para o Brasil e para outros países, faz investimentos, mas investimentos que entendem que são seus. Então, por exemplo, o canal do Panamá até hoje, o Trump questiona A forma de fazer negócio com os dois países é muito distinta e muito me parece que fazer negócios com os chineses é muito mais fácil. Então não por acaso China avançou nessa agenda com o Brasil e de alguma forma a gente se surpreende com isso hoje porque eles não são o país que a gente achou que eram. Avançar em tecnologia, avançar em soft power.



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Tem muita coisa promissora aí. Para que a gente não entre no complexo de vira-lata, que é endêmico no ideal do brasileiro comum, é óbvio que o Brasil não tem condições de competir em condições de igualdade com a economia norte-americana nem com a economia chinesa. Mas a gente poderia não ser plateia e poderia ser pelo menos um ator coadjuvante nesse processo, tendo em vista que a gente é a maior economia da América Latina. Onde é que a gente tá perdendo a mão?



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Eu ia falar isso pra você, nós não somos um player insignificante, nós somos um player bastante significativo nesse jogo.



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A maior economia da América Latina, a maior economia lusofônica em escala global, né?



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Grande parceiro comercial desses dois países, grande fornecedor global de proteína animal, de alimentos e de minérios.



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Um dos principais destinos das exportações brasileiras é a Europa.



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É a Europa.



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Portanto, ficar de olho no que a China tem feito em relação à Europa me parece ser uma coisa de favorecer a indústria nacional.



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Importante. O que nos falta é projeto. A gente fez uma leitura, décadas atrás, de que o comércio internacional, tal como estava colocado, criava forças muito desiguais, que a gente não conseguiria fazer uma inserção internacional equitativa. A gente falou das commodities, que geram baixo valor agregado. Então há uma troca injusta no mercado global, porque a gente compra produtos mais caros, vende produtos mais baratos. Mas mais do que isso, a gente tem uma outra tendência a desequilíbrio, que é quando a nossa renda cresce, eu imagino que o mundo inteiro cresça a mesma taxa, 10%. Então, o Brasil cresceu a mesma coisa que a renda mundial, 10%. Só que o que acontece, como nós nos desindustrializamos e com patamares mais altos de renda, a pirâmide de consumo muda. Você não vai continuar comprando mais alimentos, você já compra o que você precisa, o que você quer. Você quer um eletrodoméstico, você quer um carro, você quer sofisticar sua casa, você quer um serviço mais sofisticado, você vai mudando a pirâmide de consumo. Como a gente não oferece isso internamente, você importa mais. O resto do mundo, quando cresce os mesmos 10%, não compra mais dos nossos alimentos, a não ser que você expanda a fronteira de crescimento econômico, que você vá para países em que a renda aumente mais significativamente, países que têm fome, que têm uma condição de abastecimento prejudicada. Aí sim aumentaria as nossas exportações. Então o que acontece? A gente aumenta muito rápido a nossa importação e não aumenta na mesma velocidade de exportação. E aí a gente tem um problema de balanço de pagamentos e aí para equilibrar o problema de balanço de pagamentos a gente tem duas estratégias ou a gente diminui a nossa renda, a gente promove uma recessão e isso vai fazer com que as nossas importações caiam a gente equilibra ou a gente faz uma desvalorização da nossa moeda o que torna mais caras as importações e aumenta os preços internamente. Então teria um impacto ou de recessão ou de inflação. Nas últimas décadas a gente vem vivendo isso. Nós fizemos um processo de industrialização forçada com substituição de importações.



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Sem falar que você tem uma balança comercial deficitária.



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Exato. Nós tínhamos um projeto que ao longo do tempo deveria resolver o problema do déficit de balança comercial e trazer uma indústria forte para dentro do Brasil, mas nós fomos atropelados por um cenário global que não enxergamos. que foi a crise do petróleo e a mudança no sistema financeiro internacional fez com que a nossa dívida ficasse muito elevada, o enfrentamento da dívida nos brecou, trouxe uma inflação que a gente perdeu o controle e achamos e acreditamos que a abertura comercial, a saída daquele modelo poderia trazer uma solução de competitividade, de agilidade e que a agenda de controle inflacionário ia fazer automaticamente o país voltar a crescer. Bom, eu acho que essas crenças não se concretizaram e nós não mudamos o discurso, nós polarizamos o discurso. Ou nós voltamos para trás com a estratégia da industrialização induzida, pouco produtiva, pouco eficaz, num cenário global que já não aceita mais esse desaforo. Modelo JK ou uma abertura comercial ingênua que também se revelou uma estratégia ruim. Aí eu te pergunto qual é a nossa estratégia de inserção global? Quais são as nossas forças? Quais cadeias produtivas nacionais hoje tem força de inserção global? O que a gente precisa fazer para estrategicamente nos colocarmos melhor no mercado mundial? Então vamos lá, agricultura, logística, Não dá.



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Para o cara produzir soja no Mato Grosso e escoar a soja pelo Porto de Santos ou de Tubarão.



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Na forma como a gente faz, com caminhões.



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Com containers, derrubando soja na estrada.



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A gente perde, então dentro da fazenda a gente é muito mais produtivo que o nosso principal concorrente, mas dentro do navio a gente já não é mais competitivo.



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Perdeu o caminho até o navio, perdeu a competitividade.



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Então essa é uma cadeia produtiva. Isso é estratégia. Eu quero fortalecer a agricultura nacional, eu tenho que olhar para isso. Outra coisa que a gente precisa fazer hoje, boa parte dos nossos produtores agrícolas, que é uma força nacional, tem que vender rápido a sua safra e sua produção. Por quê? Porque está na mão do banco. E com uma taxa de juros tão alta, ficar segurando e colocando em silo e armazenando para esperar se beneficiar de oscilação de preços é um custo enorme para esse agricultor. A nossa taxa de juros mata a nossa agricultura também. Então, o que acontece? Quem são os grandes players? Quem é que se beneficia das oscilações de preço? São grandes players internacionais, não é o nosso agricultor. A gente tem que olhar para isso. Precisamos olhar para o nosso sistema financeiro, precisamos olhar para a nossa taxa de juros. E a industrialização também a gente precisa olhar para qual é a estratégia de industrialização. Então a gente tem uma biodiversidade que é uma força competitiva, uma produção de minérios também que é uma força. interessante. Então a gente precisa olhar qual é a cadeia produtiva ou quais são as cadeias produtivas que nos permitem uma inserção global mais estável, de sucesso e que traga um aumento de renda e de emprego aqui no Brasil.



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Cristina, a gente vir de um mantra de que a China é um país altamente poluidor e pouco sustentável. E a imprensa brasileira adora reproduzir conteúdo das agências internacionais falando da má qualidade do ar da região metropolitana de Pequim como um todo. Essa China que é pouco sustentável, ela é uma China real ou isso também está mudando?



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Isso já mudou, Wagner, isso vem mudando significativamente. Os chineses, quando eu estive em Nankai, eles diziam para mim, entre uma criança e uma árvore, eu prefiro a criança. Eles tinham uma prioridade, que era lutar contra a miséria e colocar a sua população numa condição de vida melhor. Então, de fato, o início do processo foi um processo de danos ambientais bastante significativos, mas mudaram essencialmente. A matriz energética chinês mudou, a forma de gestão das cidades mudou, o controle com o meio ambiente também mudou. E houve um deslocamento, de certa forma, desse impacto de sustentabilidade, porque aquilo que não é sustentável, aquilo que ainda tem impacto, normalmente vem de mineração e de importação da China. Então ela desloca essa fronteira.



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E a questão desse carro chinês, aspas, sustentável, mas que não é tão sustentável assim, que é o carro elétrico, que é isento de rodígio, que é uma maravilha, etc e tal, mas tem lá o lado, tem lá o BO da bateria.



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Então o carro elétrico, quando a gente vai olhar para a forma de fabricação e de sustentação desse carro elétrico, as baterias elas usam uma quantidade muito expressiva de um minério que tem sido extraído de países da África de uma forma muito muito rudimentar, eu diria, muito sem tecnologia, muito apoiado em pessoas ainda, com danos ambientais e danos sociais bastante expressivos.



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Esse rudimentário a gente pode entender também como uma dimensão predatória?



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Pode. Pode entender como uma dimensão predatória, muito embora as mineradoras sejam empresas globais, com uma tecnologia mundial, a forma como vem sendo feita na África vem sendo feita de forma predatória, sim. Em termos de impacto ambiental, esse é um modelo que não vai se sustentar. O benefício do uso de uma energia limpa, que não é uma energia como o petróleo, é anulado pelo custo e pelos danos ambientais de extração de minério. Então, China vem investindo uma quantidade que é muito significativa ainda de recursos e novas tecnologias, pesquisando para poder sair dessa matriz e ir para uma matriz mais sustentável, mas esse é um desafio global.



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Do ponto de vista de oportunidade, a gente veio de um ciclo que a gente ouviu por décadas, eu e você temos mais ou menos a mesma idade, que o Brasil era o país do futuro. Olha, o Brasil é o país do futuro.



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Feleiro do mundo.



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A gente ouviu isso infinitas vezes e a metáfora acho que não é mais essa. O Brasil corre o risco de perder de novo o trem da história ao não conseguir identificar as potencialidades dessas duas relações, a relação sino-brasileira e a relação com os Estados Unidos?



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Eu acho que a gente está perdendo o bondo da história, sim.



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Já está perdendo?



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Eu acho que a gente já está perdendo.



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E aí nós vamos ser um país gigantesco de serviços?



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De baixa qualidade. e de baixa complexidade. nem de serviços, eu acho que a gente vai ser um bom país. Olha, a pandemia trouxe uma oportunidade, porque houve um rompimento das cadeias produtivas globalizadas e uma regionalização. Ali naquele momento, se a gente tivesse aproveitado essa oportunidade, que eu ainda acho que é possível ainda hoje, eu acho que a gente teria ali uma possibilidade de uma inserção internacional bastante diferenciada. Nós não aproveitamos e não estamos fazendo essa discussão. E, internamente, eu acho que a gente está dragado num debate direita-esquerda muito polarizado, que não é um debate que promove interesses nacionais.



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Genuínos.



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Genuínos. De consenso. Porque a construção de consenso é uma coisa difícil. A mediação se tornou um desafio. Mas é muito importante que a gente olhe para isso como um espaço de mediação, de construção de projetos. Nós estamos à beira de uma eleição.



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Uma eleição, inclusive, que o Donald Trump pode estar... Autocinando. É, para o bem e para o mal.



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Para o bem e para o mal. Mas a minha pergunta é, o que está em jogo para o próximo ano? A gente tem uma discussão muito grande de favorecimento da indústria que muitas vezes não olha para uma força produtiva que é a agricultura. A gente precisa olhar para a indústria sem olhar para a agricultura?



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Espera lá Cris, vamos lá. A Júlia Dualib, na Globo News, entrevistou o senador Eduardo Bolsonaro. Ela teve uma sacada muito inteligente que falou o seguinte, senador, o que o senhor está falando é o seguinte, dá anistia que a gente tira a tarifa. Não se cria um precedente também muito perigoso quando você tem uma força do tamanho dos Estados Unidos pleiteando uma anistia.



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Olha, Wagner, eu vou ficar agora até sem palavras para falar uma coisa dessas, porque nunca um presidente americano foi tão explícito numa ação de coerção, porque isso é coerção.



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Institucional.



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Isso é uma coerção institucional. Isso não pode estar em jogo. Isso não pode estar em jogo. As forças econômicas não devem ser misturadas com questões de soberania nacional. Então, isso torna difícil a reação, inclusive, porque é absolutamente inesperado. Dizer que Estados Unidos nunca usou coerção, nunca usou força, também é muita ingenuidade, usou, mas de forma explícita, pública, declarada, escrita e intempestiva, eu acho que é a primeira vez.



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Legal. Cris, obrigado pelo bate-papo. Vamos continuar acompanhando o dinâmico da história que torna a história interessante do ponto de vista da própria dinâmica dela, né? Porque é curioso a gente imaginar algumas coisas que a gente tá vendo, a gente jamais imaginou que a gente viveria, né?



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Mas porque talvez a gente também tenha tido a crença ingênua de que o passado pode nos ajudar no futuro. A gente não faz um exercício de olhar para o futuro como algo que a gente constrói. Não vai acontecer. Não vai acontecer. Se a gente não construir, não vai acontecer. Então a gente precisa saber onde a gente quer chegar. Quem somos, para onde queremos ir.



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Legal. Cristina Helena Pinto Melo, economista, obrigado pelo bate-papo, obrigado pela atenção. A gente espera tê-la conosco em uma outra oportunidade.



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Eu agradeço muito estar aqui.



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Valeu.



00:31:39 SPK_2


Uma oportunidade.



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Obrigado. Negócio da China fica por aqui, a gente volta com outro tema em uma outra oportunidade.



 
 
 

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